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Refluxo Gastroesofágico & Hérnia de Hiato

Refluxo Gastroesofágico & Hérnia de Hiato

 Refluxo Gastroesofágico & Hérnia de Hiato

Refluxo Gastroesofágico consiste no transporte retrógrado do conteúdo gástrico para o esôfago, podendo consistir num fenômeno fisiológico nos primeiros meses de vida. 

Doença do Refluxo Gastroesofágico é definido como o RGE sintomático, complicado, sendo o distúrbio mais comum da motilidade esofágica na infância.

Hérnia de hiato é o deslizamento do estômago, ou deslocamento de outras vísceras abdominais para a cavidade torácica.

Etiopatogenia do Refluxo Gastroesofágico

O Refluxo Gastroesofágico sintomático acontece quando o balanço entre forças agressivas (refluxo ácido e potência do conteúdo refluído) e forças defensivas ("clearance" da acidez esofágica e resistência da mucosa) pendem a favor das forças agressivas. Tanto a falência das forças defensivas quanto aumento das forças agressivas podem causar uma descompensação que poderá se manifestar como pirose ou esofagite. Cerca de 48% a 79% dos pacientes com RGE apresentam esofagite demonstrável histologicamente. Outros pacientes podem apresentar uma transformação do epitélio escamoso original do esôfago num epitélio colunar metaplásico, sendo esta metaplasia uma lesão pré-maligna denominada de esôfago de Barret, rara em crianças, mas que está associada ao adenocarcinoma de esôfago.

A proteção esofagiana se dá pelo chamado mecanismo anti-refluxo que é representado pelo esfíncter esofagiano inferior (EEI) e pelo "clearance" esofagiano.

O EEI é, provavelmente, o fator mais crítico na prevenção do Refluxo Gastroesofágico. Sua pressão varia consideravelmente durante o dia e pode ser afetada por alguns alimentos, medicamentos ou mesmo pela distensão gástrica.

O "clearance" do conteúdo gástrico refluído, está freqüentemente diminuído no paciente com refluxo crônico e, este mecanismo, depende da adequada peristalse esofagiana e da função neutralizadora da saliva, por conter bicarbonato.

A sintomatologia relacionada à exposição esofagiana freqüente ao suco gástrico. Incluindo a disfagia, pode ser por efeito direto deste conteúdo sobre os tecidos adjacentes ou efeito indireto, pela estimulação nervosa.

Quadro clínico do Refluxo Gastroesofágico

A forma de apresentação mais comum do Refluxo Gastroesofágico na infância é a regurgitação. As manifestações clínicas da DRGE incluem vômitos, pirose, disfagia, odinofagia, dor abdominal ou retroesternal, anorexia, irritabilidade, hematêmese, anemia, baixo desenvolvimento pondo-estatural e problemas respiratórios crônicos (estridor recorrente, tosse crônica, roncos, asma e pneumonias de repetição). Raramente a dor esofágica causa movimentos repetidos, estereotipados, de hiperextensão cervical (síndrome de Sandifer), que podem ser confundidos com convulsões. A DRGE pode ser causa de morte súbita no lactente. 

Os vômitos ocorrem em 50% dos recém nascidos até os 3 meses de idade, em 5 % dos lactentes entre 10 e 12 meses de idade, e se resolvem espontaneamente na maioria dos pacientes. Se os vômitos forem freqüentes, ou se o volume for grande ou se o lactente chora ao vomitar, então os pais os consideram como problema.

A recusa alimentar nas crianças menores de 1 ano acompanhado de vômitos ou tosse, pode ser considerada como disfagia secundária a DRGE. Recente estudo identificou RGE em 56,5% de 61 lactentes menores de 2 anos hospitalizadas por disfagia. 

Os sintomas não específicos associados aos vômitos, como a irritabilidade, as "cólicas", os choros persistentes e os distúrbios do sono nas crianças com menos de 1 ano de vida podem ser causados pela odinofagia secundária ao RGE.

Exames complementares

Na maioria das crianças o diagnóstico é feito pela história e pelo exame físico. Os exames complementares mais utilizados são: 

- Ecografia abdominal - nas mãos de ecografista pediátrico experiente, com equipamento adequado e perseverança no exame pode confirmar o refluxo de conteúdo gástrico para o esôfago, e visualizar hérnia de hiato, estenose hipertrófica de piloro, pâncreas anular e rotação intestinal incompleta.

- Rx contrastado de esôfago, estômago e duodeno (RxEED) - possibilita avaliar alterações anatômicas (estenose esofágica, hérnia de hiato, estenose hipertrófica de piloro, pâncreas anular, rotação intestinal incompleta). Sua sensitividade e especificidade no diagnostico do RGE, comparada a monitorização do pH esofágico, varia respectivamente de 31 a 86%, e de 21 a 83%.

- Monitorização do pH esofágico (pHmetria) - mede a freqüência e duração dos episódios de refluxo ácido para o esôfago distal durante 24 horas. É considerado o "padrão ouro" no diagnóstico do RGE, para confirmar a associação temporal entre o refluxo ácido e os sintomas, e para avaliar a resposta ao tratamento de supressão ácida. A porcentagem de tempo em que o esôfago fica exposto cumulativamente ao ácido, com pH < 4,0 é chamada de Índice de Refluxo, sendo considerado normal até 12% no primeiro ano de vida e 6% após o 1o. ano de vida. Pode ter falso negativo em patologias respiratórias, e nos refluxos alcalinos.

- Endoscopia Digestiva Alta com biópsias (EGDscopia) - indicada na suspeita de esofagite, estenoses, esôfago de Barrett, hérnia de hiato, para pesquisa de Helicobacter pylori e para afastar os diagnósticos diferenciais (esofagite eosinofílica ou infecciosa).

- Videofluoroscopia - é superior ao RxEED na avaliação da disfagia e demais distúrbios da motilidade esofágica, mas avalia mal o RGE, por ser rápido e usar pouco contraste. (4,9,11)

- Manometria esofágica - para avaliação do esfíncter esofagiano inferior, em suspeita de distúrbios primários da motilidade, como a acalasia. (8)

- Cintilografia gastroesofágica - mede o RGE ácido ou não ácido e a porcentagem de esvaziamento gástrico. no período pós-prandial imediato (1a. hora), e avalia a presença de micro aspirações pulmonares por 24 horas pós-prandiais.

Tratamento clínico

Na maioria dos pacientes com RGE o tratamento clínico é eficaz. Consta de mudanças no estilo de vida e no uso de medicamentos por períodos prolongados (3 a 12 meses).

- Mudanças no estilo de vida

· Dieta: Espessamento das refeições, oferecimento em menor quantidade e em maior freqüência - diminui o número de vômitos, aumenta a oferta calórica, mas não melhora o Índice de Refluxo.

Formulas hipoalergênicas, devido à possibilidade da alergia ao leite da vaca ser causa do RGE.

As crianças maiores devem evitar alimentos que atuam no tônus do EEI e na acidez gástrica como cafeína, chocolate e condimentos. Há evidências também que a obesidade, exposição ao tabaco e ao álcool estejam associados ao Refluxo Gastro-esofágico.

· Terapia Postural: De acordo com as novas recomendações da Academia Americana de Pediatria a posição supina deve ser utilizada durante o sono no primeiro ano de vida, pois confere o menor risco de Síndrome da Morte Súbita no lactente. A posição prona é aceitável quando o lactente está acordado, principalmente na primeira hora pós-prandial. A posição prona durante o sono é somente para os raros casos em que o risco de morte pelas complicações da DRGE é maior que o risco da Síndrome da Morte Súbita do lactente, e evitando roupas de cama muito fofas. Nas crianças maiores e adultos permanece a recomendação de elevar a cabeceira da cama e dormir em decúbito lateral esquerdo.

- Medicamentos:

1. Antagonistas dos receptores de Histamina2 - agem diminuindo a secreção gástrica de ácido clorídrico pela inibição dos receptores H2 das células parietais do estômago. Já foram observados a tolerância aumentada a ranitidina intravenosa, e o escape após seis semanas de tratamento. A mais utilizada é a cimetidina, porém a ranitidina, famotidina e a nizatidina parecem ter igual eficácia.

2. Inibidores da bomba de prótons - são os mais efetivos supressores da produção ácida no estômago, sendo recomendados especificamente no tratamento da esofagite por refluxo e suas conseqüências, inclusive para a disfagia, mas não diminuem os vômitos. Como requerem a presença de ácido nos canalículos das células parietais, o ideal é administra-los meia hora antes das refeições. E só atingem um patamar fixo de supressão ácida após alguns dias de uso. O omeprazol é o único com dose pediátrica estabelecida, mas existem também o lanzoprazol, o pantoprazol e o raberprazol.

3. Agentes procinéticos - melhoram a peristalse esofágica, aumentam a pressão do esfíncter esofágico inferior e aceleram o esvaziamento gástrico. Diminuem portanto a regurgitação e os vômitos. A cisaprida é efetiva, mas há preocupações com seu potencial risco de graves arritmias cardíacas, portanto os pacientes devem ser bem selecionados e monitorados. Os estudos com uso de metoclopramida, betanecol e domperidona são contraditórios, e os efeitos colaterais da metoclopramida não são raros (reações parksonianas e discinesia, que pode ser irreversível).

4. Antiácidos - agem neutralizando o ácido gástrico, e portanto reduzindo a exposição da mucosa esofágica aos seus efeitos. São efetivos, mas o tratamento com antiácidos que contenham alumínio aumenta significativamente os níveis séricos de alumínio, o que já foi comprovado poder causar anemia microcítica, osteopenia e neurotoxicidade. Portanto só deve ser utilizado por períodos curtos no alívio de sintomas intermitentes do RGE (inclusive disfagia) em crianças maiores e adolescentes.

5. Agentes de superfície - o alginato sódico forma um gel sobre a superfície, diminuindo o refluxo gástroesofágico e protegendo a mucosa esofágica. Estudos randomizados mostram resultados conflitantes. O gel sucralfate adere nas lesões pépticas, diminuindo os sintomas e facilitando a cicatrização. Contudo, por ser um complexo com alumínio, devemos considerar os riscos potenciais dos efeitos colaterais acima descritos.

Tratamento cirúrgico

A terapia cirúrgica da doença por refluxo gastroesofágico testemunhou mudanças extraordinárias nas últimas décadas. Primeiro, como resultado de investigações fisiológicas importantes, foi feito um progresso substancial em nossa compreensão dos mecanismos que controlam a competência da cárdia. Isso deu origem a aprimoramentos nas técnicas operatórias que tornaram as cirurgias de correção do refluxo mais efetivas e com menos efeitos colaterais. Segundo, o uso de abordagens minimamente invasivas tornou a cirurgia mais aceitável para os pacientes e seus familiares.

Em 1991 Dallemagne realizou a primeira fundoplicatura gástrica pela técnica de Nissen por videolaparoscopia com sucesso. Atualmente esta técnica é considerada o "padrão ouro" para a cura cirúrgica do RGE, pela confiabilidade, segurança, e pelas vantagens de menos dor pós-operatória, menor tempo de hospitalização e melhores resultados cosméticos.

Os pacientes tratados pela abordagem minimamente invasiva são beneficiados pela visualização clara, ampliada, proporcionada por ópticas modernas, câmeras e de monitores de alta resolução. A identificação mais fácil das estruturas no campo operatório reduz a incidência de complicações intra-operatórias e permite fazer uma construção mais precisa de uma eficaz barreira anti-refluxo. As indicações do tratamento laparoscópico do RGE em crianças são as mesmas da técnica convencional.

Indicações cirúrgicas:

- Falha no tratamento clínico bem conduzido, ou dependência de medicações agressívas anti-refluxo

- Estenose péptica do esôfago

- Esofagite severa resistente ao tratamento clínico

- Hérnia hiatal

- Necessidade de gastrostomia alimentar em paciente com déficit neurológico.

- Apnéias - risco de morte súbita

- Doença pulmonar crônica 

- Pneumonias de repetição

Técnicas Cirúrgicas

A fundoplicatura gástrica de Nissen-Rosseti é a mais utilizada, no entanto outras técnicas (Toupet, Boix-Ochoa ou Thal) têm indicações em casos selecionados. As taxas de sucesso, com alívio completo dos sintomas, variam de 75 - 92%, com a mortalidade cirúrgica variando de 0 - 4,7%. As complicações mais frequentes são deiscência da válvula, obstrução intestinal, infecção, pneumonia, atelectasia, perfuração, estenose esofágica. Eventualmente ocorre disfagia e sindrome da bolha de gás pela zona de alta pressão superposta ao esfíncter esofágico inferior.

A via de acesso preferencial é a videolaparoscópica, mas em casos selecionados utiliza-se o acesso por laparotomia. As vantagens da técnica videolaparoscópica são:

- Menos dor no pós-operatório

- Início precoce da alimentação enteral

- Menor tempo de internação hospitalar

- Diminuição das taxas de infecção da ferida operatória

- Diminuição da incidência de complicações pulmonares

- Diminuição dos índices de obstrução intestinal

- Melhores resultados estéticos

Devemos enfatizar que os objetivos do manejo da criança com DRGE devem ser realistas, pois em alguns casos, principalmente nos pacientes com déficit neurológico, a via oral não será restabelecida integralmente. Entretanto o tratamento terá como consequência uma diminuição do número de internações hospitalares devido às aspirações pulmonares e complicações da desnutrição proteico-calórica e implicará em melhora na qualidade de vida do paciente e de sua família.

Referências Bibliográficas

1. Boix-Ochoa J et al: 24-Hour esophageal pH monitoring in gastroesophageal reflux. J Pediatr Surg 1980, 15:74 

2. Champault G Reflux gastro-oesophagien. Traitement par laparoscopie: 940 cas, expérience française. Annales de Chirurgie 1994; 48:159-64

3. Dallemagne B, Weerts JM, Jehaes C, et al: Laparoscopia Nissen fundoplication: Preliminary report. Surg Laparosc Endosc 1:138-143,1991

4. Delgado SE, Almeida ST, Pinto RB, Cruz L Avaliação e tratamento de crianças hospitalizadas com disfagia. Temas sobre Desenvolvimento 2001; 9(54): 35-39

5. Heloury Y, Indication de la Coeliochirurgie chez L´enfant. La Presse Médicale 1995; 24, n° 30:

6. Hunter JG, Pellegrini CA, Surgical treatment of gastroesophageal reflux disease. Surg Clin North Am, Oesophageal Surgery 1997; Vol 5: 1051-1070

7. Kahrilas PJ - The Anatomy and Physiology of Dysphagia. - 11 - 28

8. Kawahara H, Imura K, Nakajima K et al Motor Function of the Lower Esophageal Sphincter in Children Who Undergo Laparoscopic Nissen Fundoplication. J Pediatr Surg nov 2000; 35(11): 1666-1671

9. Paustian G, Holinger LD Feeding, Swallowing, Dysphagia and Aspiration. In: Holinger LD, Lusk Rp and Green CG, ed. Pediatric Laryngology and Bronchoesophagology. 1997; 305-316

10. Pinto RB, Almeida ST, Delgado SE, Cruz L Avaliação multidisciplinar da criança com disfagia. Rev Brasil Nutri Clín 2001; 16:139-143

11. Newman LA, Kecley C, Peterse MC and Hamner A Swallowing Function and Medical Diagnoses in Infants suspected of Dysphagia. Pediatrics, dec 2001; 108(6):

12. Rothenberg SS, Experience With 220 Consecutive Laparoscopic Nissen Fundoplication in Infants and Children. J Pediatr Surg 1998; 33(2): 274-278

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